segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

baianinho ansioso


o garotinho se apresentou assim que nossa vontade de sombra encostou os olhos na barraca do bar dele. sou o paranajuá, pode me chamar de pará. o moleque parecia ter uns sete anos de tão enxutinho - mais tarde descobri que tinha dez - e já tinha um apelido de homem feito, dono de negócio, da barraca do pará. foi lá, protegida por uma canga rosa agarrada a quatro pedaços de madeira mergulhados na areia, que esperei o sol baixar. eu e o pedro juán gutierrez que estou lendo. nós não reclamamos do sol forte, porque além da sombra havia vento. o vento não deixa você pensar que está num deserto e desejar que a próxima viagem de ano novo seja para a europa ou nova iorque, dentro de algum iglu compondo um cenário com tons de branco impensáveis para um brasileiro.

eu e pedro juán éramos constantemente interrompidos pelo Pará, além do garotinho da barraca vizinha - Gilvan, bem menor que o Pará, ele sim tinha sete. barraca do Gilvan. não soa tão comercial quanto a do outro. querem água de coco? natural? com gás? vai uma salada de frutas? alguém quer uma massa? massa na praia nunca comi, a ideia de grãos de areia atacando o meu espaguete me incomoda, mas se for boa como a que a minha avó faz, por que não?

denise foi mergulhar, Pará logo apareceu para saber quem pagaria a conta dela. calma, ela só foi tomar banho de mar - eu quis tranquilizá-lo - fazer uma fisioterapia na água, porque ainda se recupera de um joelho quebrado. nem sinal de adultos servindo - parece que ficavam apenas dentro preparando a salada de frutas e as caipirinhas - nada que me fizesse acreditar que aquelas crianças batalhadoras fossem apenas os filhos do dono, dando uma turbinada na renda familiar no verão. eram a cara do negócio da família. o atendimento estava na mão deles, a simpatia, a rapidez, a memória para se lembrar dos pedidos. eu daria nota nove, sem estrelinha, porque essa insistência em perguntar a todo momento se queríamos alguma coisa, para que o Gilvan não ganhasse a venda, me irritou um pouco, mas também entendo que se não for assim, o caixa do Pará ficaria fraco no final do dia.

a mãe só apareceu na hora da cobrança, de longe, como se estivesse dando apenas uma consultoria ao filho. observava com a cara enrugada, de quem toma muito calote. a conta estava honesta e baixinha, do jeito que eu gosto. não quero torrar o décimo terceiro aqui. em 2013 tentarei ser mais controlada. estou ansiosa para ver minha poupança engordar, assim como o Pará e o Gilvan, a deles.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

um almoço baiano massa

sentamos pra comer. almoçar às sete da noite. o restaurante da Cida era o lugar mais próximo. foi um cara local que sugeriu. eu e a clara estávamos indo pra direção errada. a cidade era pra direita e a gente seguia pra esquerda. talvez voltando pra são paulo à pé. na cida, preferimos sentar nas mesinhas de fora, perto de dois gringos e junto com as formigas estranhas de bunda empinada, que eu expulsava raspando o cardápio na mesa, porque eu tava com medo de me morderem, já estou roxa demais para picadas. sol forte já me incomoda, coceira de picada também. estou na bahia, só consigo desviar das formigas. o sol eu driblo com meu protetor 50. pedimos um estrogonofe de camarão e deu inveja quando o prato dos gringos chegou. era um PF de arroz, feijão, salada, fritas e frango, acho. ou peixe. o nosso, ao contrário do que dizem do serviço baiano, chegou rápido, em seguida. o cheiro do leite de coco.nunca vi isso num estrogonofe. e tava bom, apesar da batata palha, que não vou muito com a cara. os gringos eu só ouvia, eu estava de costas. eu e clara pensamos em pedir uma cerveja, apesar da minha tentativa de não beber. ainda bem que só tinha Nova Schin e desistimos. Raspei o prato, costume que me veio de herança do meu avô que lutou na Segunda Guerra, não permitia que deixássemos restos no prato. os gringos, pelo jeito, também. Ouvi os dois treinando: cool, massam, massã, meissa, cul.o garçom chegou com a conta deles e uma pergunta "Gostaram?", eles conseguiram dizer "Massa" direitinho. Eu fiquei com um pouco de vergonha deles, porque massa, de onde venho, não é muito massa, nem cool. é meio bobo, parece gíria velha, que só gente desatualizada fala, mora?mas no dia seguinte, no café da manhã, a Iris explicou que aqui na Bahia se fala muito assim, e aí eu tive vergonha de mim e da minha cultura limitada. mas fazer o quê? é a minha estreia na bahia. como eu ia saber?eu e a Clara, na nossa vez, dissemos que estava uma delícia e prometemos voltar, mesmo que durante a refeição tivéssemos combinado que não, não voltaríamos porque queríamos conhecer temperos diferentes.saí feliz, pisando na areia que deixa as unhas escuras, por causa do "matéria orgânica", vulgo merda de burro. De pancinha cheia, dormi umas treze horas. Merecidas.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

das confraternizações



gosto de encher a cara de amigos. beber até a última gota das companhias que escolhi. deixar o filtro em casa e esperar que as palavras solucem de noite. assuntos que coram os sóbrios, as freiras, as virgens, os reprimidos. gosto de presentes com shots de criatividade. ganhei uma Barbie, a segunda de toda a minha vida, loira como eu, de vestido e com um laço. ganhei uma pulseira romântica, porque amigos não esperam que você seja nada além do que você é. gosto de saber que não preciso dos presentes. só deles.


dessa vez, não falamos sobre o edifício em que moraremos juntos, na ressaca da juventude. a verdade é que eu espero sempre que possamos repetir, aos setenta, oitenta, noventa, cem, essa embriaguez coletiva que nos ataca quando nos encontramos.

nós sorrimos. e chegam a pensar que somos apenas dentes arreganhados. mas sabemos que quando a porta da sala bate e ficamos a sós, as paredes talvez discordem. o nosso coração discorda. o lenço de papel, os diários, o celular, o chuveiro sabe a profundidade de cada um.

somos muitos. mas juntos, alegres essencialmente.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Pra não dizer que não falei das flores

Uma coisa é certa: Eu e minhas flores viajaremos. 


A MALA DE FLORES: daquelas compras que você não só sonhava em fazer, como também precisava. Eu estava em Paris à caminho de Ravenna, na Itália, e nas duas malas enormes que eu já tinha não cabiam mais um cigarro. Numa noite em que a neve caiu e me obrigou a comprar um guarda-chuva novo (também estampado de flores) eu encontrei essa mala floridinha num canto da H&M, da  Champs-Élysées (taí o meu estilo high-low bem explicado). Me apaixonei por ela, paguei 20 euros e ela vive comigo até hoje. Minha dama de companhia até para viagens à casa do namorado.

O TÊNIS DE FLORES: fui obrigada a meter cadarços de oncinha, em vez dos brancos tradicionais, para quebrar o exagero romântico que exponho pro mundo. Mais confortáveis do que All Star. São mais bonitos do que Nike. E eu entro em depressão quando me lembro que não posso usá-los na academia.

O FONE DE OUVIDO DE FLORES: Eu sou de amor à primeira vista. Sei que deveria ter comprado algum produto, quando deixo na loja e, ao voltar para casa, sonho com ele, ou acordo no dia seguinte sentindo falta do que nunca tive. Com o meu fone de flores foi assim. A gente se conheceu numa loja de Paris um dia antes da minha partida. Viajei arrependida e embriagada para esquecer a relação que eu poderia ter tido, não fosse pão-duro. Por sorte, ao aterrissar em Madrid, entrei na franquia espanhola da loja e lá estava o fone me esperando sorridente e mais barato. Somos felizes até hoje.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Para o texto não atrofiar


Enfim, férias.

Enfim, o despertador calado. As pálpebras caídas até enjoarem. A inexistência da angústia de um domingo. Amigos. O copo americano cheio de volúpia. A chuva, que cai depois de um dia quente. O canto de tempo. Alguma cidade distante. Ou nenhum destino em mente. Os pés exploradores. Pedras e o mar. Solas enterradas em areia. Gotas de sol ardendo a pele. Roupas magras, esquecidas nas gavetas, ganhando silhueta. Uma cama, na qual você dificilmente acostuma, mas que deixa perfume no corpo depois de abandonada. A vida sorrindo. O caderno em branco aberto, sem compromisso.

Flores to Fly foi criado apenas para que meu texto não atrofie durante as férias. Trinta dias é tempo incogitável para descansar a minha respiração. Escrever é um jeito de sobreviver. É quando faço sentido. Escarrar do peito o meu em torno diminui a pressão da vida. 

Bem-vindos e boa viagem.